domingo, 24 de dezembro de 2017
domingo, 10 de dezembro de 2017
Ensaio sobre a Maresia
I
rosa dos ventos
foz da brisa
ao lamber das águas
via láctea
e têmpera a sagitário,
II
fogo solar
matriz de aurora
estela e sanselimão
rota aberta de
adestrar gaivina e mar,
III
agulha de marear
o rumo traçado
no leme da vaga
embriaga o vento ao
navegar,
IV
sulcos de mar
as rugas do sal
no rosto tisnado
paleta aguarela de sol,
V
murmúrios de búzio
os salmos da lua
a parir na vazante
cantos da alga aos
iodores,
VI
águas do fundo
raiz da maré
ao correr do vento
medula e sabor a maresia.
Admário
Costa Lindo
Solaris
o Oitavo Mar (2011)
Pintura
Digital
ciclo
do Mar
série
Aves Marinhas
a.
costa lindo
Epigramáticos
1.
Voz oca
a decompor-se
em corpo:
de que glossa
a glote?
2.
Hálito
de lâmina
entre língua
e ar:
declinando
os lábios.
3.
Luminante
luz
num mínimo
murmúrio:
limiar ou imo.
4.
Salíneo
som
lunar:
húmido
de azul.
5.
Desde que
delírio
erecta
a língua
liquefeita?
6.
Desviava o reverso
da falha, devolvendo
o cerco:
se ínvio
era o invés.
7.
Diâmetro
da morte
amortecendo
certo:
de que centro
tenso?
8.
Adormecida
mão: sem ritmo
ou teclas
de um só vão
destino.
9.
Sol cego
doutro aedo
ido:
num sol
stício
breve.
10.
Dentre os úberes
lentos: leite lácteo
ou mel lúbrico
das cabras
estelares.
José
Augusto Seabra
Epigramáticos
in
“Nova Renascença”, nº 2, vol. I
sábado, 9 de dezembro de 2017
makamba
palavras aos meus amigos em dia de aniversário
quando escuto estas vozes
folhas da mesma palma,
quando leio estas frases
gérmenes da mesma alma,
vejo-me e sinto-me rei
de um país deserdado.
rostos d'halo luminoso
são a lente diáfana
a limpidez da memória
que me traz d'outro espaço
vetusto tempo venturoso.
salmo
fado ou batuque
lágrima choro asnidade,
casa
cubata ou tapume,
nada lhes trava a vontade.
trazem no peito amarrado
o génio preso à saudade,
buscam no fel a doçura,
fincam do braço a firmeza
e trazem à tona a verdade.
quando leio estas vozes
lírios da mesma palma,
quando escuto estas frases
rosas da mesma alma,
vejo-me e sinto-me rei
de um país reinventado.
Admário Costa Lindo
Makamba ou O Voo do Flamingo
notas:
BATUQUE. kimbundu.
1. Instrumento de percussão; bombo, tambor. Apresenta formas variadas (Goma,
Puíta, Xingufo) e designações várias de acordo com a região, aspecto, material
utilizado na sua confecção e som produzido. 2. O som produzido pela percus-são
do instrumento. 3. Dança, divertimento ou festa com acompanhamento de batuques.
Esta é a concepção mais moderna de batuque, mas não se esgota aí o conceito.
Pode ser uma manifestação solista do instrumento; uma actuação instrumental
acompanhada de outros como a dicanza, a gaêta, os chocalhos de cabaça, etc., ou
pode ter acompanha-mento de vocalizações harmónicas, cânticos de cariz social,
ou refrães apenas poéticos. O batuque é uma espontaneidade anímica dos povos
africanos.
CUBATA. do kimb.
Casebre de barro seco, coberto de capim seco, folhas de palma ou mateba.
Variando a sua forma de povo para povo, genericamente a cubata da metade N do
país é rectangular e circular a dos povos do S. Nas zonas urbanas usa-se ser
construída de tábuas de madeira e chapas metálicas, podendo ser de chapas
onduladas industriais ou de aproveitamento de tambores e bidões de óleos e
similares.
MAKAMBA. kimb.
Amigos.
Kákulu-Kábasa
frescos anos, em cerne e alma
breve, me transmudam
praia a
praia em largo mar.
corro
maresias transumantes
eu, mestiço de mim,
e me cresço
em gomos de tacula.
verdes
anos, em carne e alma
leve, me transladam
costa a
costa e mesmo mar.
colho
rosmaninhos transmontantes
eu, bi-ego de mim,
e renasço
em ritos de carqueja.
no ver e no
ler
eu canto
sempre
búzio
ou zimbo
e crio no
peito
laivos de
múcua enclausurados
e domo no
peito
travos de
mel amendoados.
pela xana,
de palavra branda
vão os dias
do cacimbo
no montado
as formigas abrem alas
que do maio
há já caminho:
saber
sentir
entre os
dedos d’uma mão
o fio mel
da cereja,
saber
sentir
entre os
dedos d’outra mão
o fio gel
da gajaja
é ser
fruto e
alma.
e da alma
a memória
desagua em
corpo
kákulu
e kábassa
gémeo de mim.
Admário Costa Lindo
o bico-de-lacre e o tarrote
(dos pássaros sem fronteiras e do
bicho careta)
II – o livro dos bicos-de-lacre
- inédito -
notas:
CACIMBO. kimbundu. Humidade
própria dos climas tropicais e equatoriais; época do frio, que decorre entre 15
de Maio e 15 de Agosto.
GAJAJA. tupi e kimb. Fruto
comestível da gajajeira, Spondias mombin,
muito aromático e de sa-bor agridoce.
KÁBASSA. kimb. O gémeo que
nasce em segundo lugar.
KÁKULU . kimb. O primeiro
gémeo a nascer.
MÚCUA. kimb. Fruto do
imbondeiro.
TACULA. Pterocarpus tinctorius, árvore de cerne vermelho coral; um pó
preparado com a ser-radura é utilizado em ritualismo.
XANA. utxokwe. Anhara. Planície
arenosa, correspondente africano da charneca, na região central de Angola,
atravessada por cursos de água, com vegetação rasteira formada principal-mente
por gramíneas e arbustos de pequeno porte, podendo apresentar-se alagada.
ZIMBO. kikongo. Olivancillaria nana. Búzio, molusco
gastrópode. A primeira moeda de troca angolana. O zimbo ou jimbo (kimbundu) era
apanhado na ilha de Luanda, propriedade do Rei do Congo e escolhido por
tamanhos, do que dependia o seu valor “facial”.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
(Lisboa com suas casas de várias cores)
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores…
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.
Se, de noite, deitado mas desperto
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares famtásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores,
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
Fernando Pessoa
Poemas de Álvaro de Campos
voltar, amigo, é fácil
voltar, amigo, é fácil:
basta abrir a cicatriz
sofrida, da alma dúctil
e seguir pela matriz
corrente rio que nos dá memória:
picada batida,
a ferida aberta em flor,
a floresta
daquilo que somos e não perdemos,
a vida partida
ofensa sarada
e o que nos resta:
de ser.
Admário Costa Lindo
Makamba ou O Voo do Flamingo (2013)
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Proémio
cacimba
um furor ou lago um caminho
que nos leva da seca à raiz das águas.
sê-de
estrada
ou picada tanto faz
dizias!
afastem
de mim essa água que não medra
porque dos lábios
brota apenas ansiedade.
insistimos
e ficaste a saber que havia um
destino adiante:
um mar um rio que nos verte no sangue a
liberdade.
Admário Costa Lindo
Solaris, o oitavo mar (2011)
notas:
Cacimba. (do Kimbundu) Cova ou poça que recebe água das chuvas; buraco
aberto para se procurar ou armazenar água.
Diário
Marão
Serra, seio de pedra
Onde mamei a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.
Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslises pequenos.
Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza.
S. Martinho de Anta, 23 de Maio
de 1944.
Miguel Torga
Diário, vol. III
Nirvana
Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o ccoração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário,
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
Gerês, 1 de Agosto de 1953.
Miguel Torga
Diário, vol. VII
Panorama
Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ointo cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal ccalado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça cconsentida!
S. Martinho de Anta, 28 de
Setembro de 1966.
Miguel Torga
Diário, vol. X
Eco
Ah, terra transmontana
Que não tens um cantor à tua altura!
Um Marão inspirado,
Um Douro inquieto,
Um plaino aberto
De carne e osso,
Capaz de recriar noutra verdade
Esta grandeza austera.
Onde as pedras parecem ter vontade,
E nenhuma vontade desespera.
S. Martinho de Anta, 18 de
Setembro de 1970.
Miguel Torga
Diário, vol. XI
Doiro
Suor, rio, doçura,
(No princípio era o homem…)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca fesagua…
Régua, 16 de Setembro de 1962.
Miguel Torga
Diário, vol. IX
Regresso Ao Lar
Ai, ha quantos annos que eu parti chorando
D’este meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi ha vinte?... ha trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh! a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago d’amargura o coração desfeito…
Vê que fundas maguas no embaciado olhar!
Nunca eu sahira do meu ninho estreito!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...
Poz-me Deos outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d’astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobresinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!
Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o reu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-me cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas, manso, muito manso…
Tristes, muito tristes, como á noite o mar…
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh’alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, m’a vier buscar!...
Guerra Junqueiro
Os Simples
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BioBibliografia 2018
Biografia : Sou reformado do Comércio & Serviços e dedico os tempos livres que, logicamente, são todos os momentos do dia e da noite,...
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Vendido e transportado nas galeras vergastado pelos homens linchado nas grandes cidades esbulhado até ao ultimo tostão humilh...
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Palpitam-me os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue Ó negro esfarrapado do Harlem ó dançarino de Chicago ó ...